O ESTRANHO LUGAR DOS AFETOS
TRECHO ...
Um dos filósofos que mais se destacou na questão dos afetos foi Baruch Espinosa, em sua Magnum Opus, intitulada Ética. Para ele, os filósofos, até a sua época, haviam concebido os afetos como vícios que acometiam os homens em decorrência de culpa própria. Por isso, costumavam censurá-los e atribuir a eles modos de corrupção da natureza humana, em nome de uma virtuosa sabedoria. O projeto ético de Espinosa surpreende pela maneira como trata a questão dos afetos, destoando de toda apreciação escrita sobre o tema por teólogos, moralistas e sacerdotes ascéticos, que pregaram a mortificação do corpo pela supressão de toda manifestação afetiva, chegando mesmo a considerar o homem como uma aberração da criação divina, uma trágica deturpação da natureza. Neste sentido, pontua ele: “Na nossa Ética demonstramos ser verdadeiro ― que os homens estão necessariamente sujeitos aos afetos e são constituídos de tal maneira que se compadecem de quem está mal e invejam quem está bem; são mais propensos à vingança que ao perdão; e, além disso, cada um deseja que os outros vivam segundo o engenho dele, aprovem o que ele próprio aprova e repudiem o que ele próprio repudia”.
Essa tendência dos moralistas e religiosos ainda hoje subsiste e, muitos deles, continuam a praguejar contra determinados afetos, como se o homem tivesse sofrido, por erro ou pecado, uma condenação por existir e ter um corpo, por experenciar determinados tipos de afetos, como por exemplo, a paixão, o desejo e o ciúme. Mas, para Espinosa, os afetos possuem uma natureza virtuosa, considerando as ações e os apetites humanos como se fossem uma dimensão intrínseca à comunicação dos corpos.
De fato, a intenção precípua de Espinosa não é a de amaldiçoar o homem, nem tampouco esterilizar o seu corpo ― que é o que de fato existe. Mas entender como os afetos nascem, se ramificam em nós, circulam socialmente. Isso significa dizer que para Espinosa os afetos são intrinsecamente naturais, fazem parte da vida humana como experiência vivencial e são modos transicionais de estar que interagem com a variação de nossa potência de ser. Daí o entendimento em considerar os afetos humanos como “afecções do corpo”, que não devem ser consideradas vícios da natureza humana, mas como propriedades a ela inerentes, malgrado os seus incômodos. E, por assim ser, a mente reconhece em regozijo as características desses fenômenos como experiências agradáveis aos sentidos.